Já me perguntaram: "Para quê gastar um dinheirão numa espingarda com 70 ou 80 anos, tecnologicamente ultrapassada, quando posso comprar uma moderna Beretta por uma fracção do preço? O que têm essas a mais?? Todas matam!"
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James Purdey & Sons de cães exteriores (1886), uma espingarda de sonho! - pertença do armeiro norte-americano Lewis Drake and Associates |
Começo sempre por responder com uma pergunta: "Quem disse que estão ultrapassadas? E porquê?"
Será porque nesta era em que as modas e o marketing invadem as nossas vidas assim o dita?
Acredito que sim, mas não perfilho de tal visão.
Pois é, todas matam...mas umas matam mais que as outras. A grande diferença entre uma espingarda fina e uma espingarda fabricada em série é a atenção ao detalhe, nada é deixado ao acaso. O fabrico manual permite que cada arma seja uma peça única adaptada às necessidade individuais de cada um, como um fato por medida.
Assim são as espingardas; um determinado comprimento de canos, um estrangulamento bem concebido, gatilhos suaves sem folgas nem arrastos, e uma coronha de boa nogueira com delgado de secção oval, um fuste perfeitamente ajustado aos canos....só a soma deste factores permite conceber uma peça única que se adapta ao atirador como uma extensão do seu próprio braço. E acreditem os mais cépticos, são estes detalhes que marcam a diferença entre abater aquele narceja que se furta em rápidos "crochets", dada já como irremediavelmente perdida e, de repente quase que por milagre é atingida mortalmente; ou numa "barrage" de uma prova de tiro aos pombos, com avultados prémios em jogo, sai um daqueles pássaros "imatáveis" e com um tiro mal centrado há uma aba da chumbada que lhe parte uma asa e nos oferece a vitória. Só uma espingarda de excelência consegue tais proezas. Nesse sentido vale a pena pensar se não valerá mais a pena considerar a aquisição de uma arma desse tipo, que pese embora o seu elevado preço é um investimento para o futuro - acredite que ela irá perdurar durante muitas gerações após a sua partida deste mundo e, servirá os seus descendentes com a mesma qualidade e fiabilidade com que o serviu a si - do que comprar duas ou três espingardas baratas que a curto prazo só trarão problemas e arrelias ao seu proprietário, não falando já nas perdas em termos de resultados seja na caça ou no tiro de stand.
Não será que bem vistas as coisas o barato acaba por sair caro?
Imaginem ainda esta hipótese:
Caçando às perdizes nas agrestes serras de Mértola, onde o terreno é difícil e os pássaros são bravos. Nos dias que correm todos sabemos que a caça está cara, crises há parte é um facto e, assim a maioria de nós não se poderá dar ao luxo de usufruir de um elevado número de jornadas por ano.
Se as oportunidades são menos então há que saber aproveitá-las melhor, não deveremos pois permitir-nos errar muitos tiros, ao menos devemos evitá-lo. Se considerarmos que uma perdiz brava num bom couto custa em média 35€, e que sendo pássaros bravos raramente nos sairão perto, o material de que dispomos acaba por ser, bem feitas as contas, o mais barato. Fazendo esse simples cálculo, rapidamente fará sentido fazer tudo ao nosso alcance para aumentar as nossas hipótese de sucesso e, aí a arma desempenha um papel importantíssimo. Uma arma que faça uma boa e eficaz distribuição de tiro, tenha uma coronha bem conformada às características físicas do atirador e um perfeito equilíbrio - entenda-se distribuição geral do peso - é meio caminho andado para o sucesso. Produzirá tiros mais regulares, com melhores índices de impactação e perfuração, o que contribuirá para aumentar a confiança do atirador e obter abates mais limpos; não falando já que ao fim de 5/6 horas a andar no monte uma arma com um peso entre os 3kg e os 3kg200 podem aliviar-nos de muita fadiga comparativamente a outras mais modernas com pesos na ordem dos 3kg500, bem mais adequadas ao tiro de stand.
Agora diga-me excelentíssimo leitor: Não vale mais utilizar aquela bela arma do seu avô, que tanta caça terá morto, com bons cartuchos de carga adequada em vez daquele "cêpo" pesadão que o armeiro da moda lhe tenta impingir?
Não dá muito mais gozo abater uma galinhola com aquela espingarda finamente gravada, quiçá com cães exteriores, e magníficos canos que tinem como cristal do que com aquela horrível semi-automática que, de cada vez que é disparada, produz um horrível ruído semelhante a uma metralhadora que quase nos transporta para um cenário de guerra tipo Vietnam!??
Cada um é livre de acreditar no que bem entender, e deverá atirar com aquilo que mais lhe convém e transmite confiança, mas posso afiançar que nenhuma Benelli bate o equilíbrio e a "vivacidade" de uma veterana Galand com 76 cm de cano, uma fina coronha inglesa capaz de manter ambas as mãos - a que comanda o fuste e a que segura a coronha - ao mesmo nível, permitindo que a arma quase "dance" nas mãos do atirador.
Só este harmonioso conjunto de equilíbrio e proporção permitem aqueles lances em que dizemos que "fizemos um tiro impossível"; é certo que nenhuma arma por melhor que seja se opera sozinha, o atirador é quem comanda, mas acreditem...ajuda muito!
Por isso tiver aquela velha calibre 16 de canos justapostos que herdou de um familiar pendurada sobre a lareira faça um favor a si mesmo...tire-a de lá e, se estiver em condições use-a. Use-a com orgulho e com a reverência que ela merece: compre bons cartuchos com cargas adequadas, limpe-a com carinho, mas use-a. Se não tiver a certeza que a arma esteja em condições de dar tiros leve-a a um armeiro competente (Sim, ainda os há!) para inspecção prévia e, certamente alguma avaria que exista não estará para além das hipóteses de reparação.
Ela será arte sem dúvida, mas é arte funcional, foi feita para dar tiros.
No fim verá que os seus resultados provavelmente melhorarão, terá lances que o preencherão muito mais e destacar-se-á por certo dos seus companheiros que atiram todos com a mesma coisa....e não é isso a felicidade?
Pense nisso...